Aristófanes, no seu discurso no Banquete, apresenta-nos uma visão singular sobre o amor: na origem do ser humano estará um corpo uno, com quatro pernas, quatro braços e dois rostos. Esses seres eram de raiz seguros e invencíveis, ao ponto de desafiarem os deuses e tentarem ascender aos céus. Zeus, preocupado e inflexível, retaliou a ousadia ao lançar um raio que os dividiu em metades: para cada lado ficaram novos seres com duas pernas, dois braços, um rosto e um sexo. Desde esse dia, em terra, as metades procuram sem cessar, umas pelas outras.

Amor Fati propõe irmos ao encontro dessas metades que, hoje, voltaram a convergir, como se fossem elementos químicos atraídos na mesma direcção. O instante presente é um fatum onde as partes se fundem sem se deixarem tomar pela razão: pertencem-se em por intuição. Não desejam ocupar outro lugar, outro futuro, outro passado. Desejam ascender, juntos - e de novo -, ao encontro de Zeus. Mas desengane-se aquele que pensa que o olhar de Aristófanes convocava apenas o desejo do (re)encontro entre corpos. Talvez ele nos falasse, sobretudo, da ausência enquanto condição vital e do caminho que é necessário percorrermos a sós. O desencontro é a base incessante do encontro.

Durante dois anos procurei, em Portugal de norte a sul, por histórias de amores inabaláveis que se expressavam, à primeira vista, em fisionomias semelhantes. Encontrei-me com centenas de pares e de grupos que viviam, no momento presente, histórias de enlace raro. Filmei sem saber ao certo a linha narrativa que os poderia vir a unir e só mais tarde, chegada à montagem, coloquei-os lado a lado, na esperança de que as rimas e as delicadezas do acaso emergissem. As vidas de uns ecoaram nas vidas de outros. E as conquistas de uns preencheram os lugares vazios de outros. O filme nasceu desse processo de busca, também ele à procura de uma parte em falta.

Procurei construir um lado coral da vida, em que o singular dá lugar ao plural e o micro ao macro. Este filme é um atlas de histórias e emoções que expressam o meu sentimento pela humanidade e que tende a engrandecer diante da nossa vulnerabilidade, diante da morte. Criar imagens é a minha tentativa de superar a efemeridade dos eventos, incorporando algo maior e mais belo. A vida é assim, ininteligível. O meu esforço, com os meus filmes, está em torná-la intelegível. Talvez o cinema nos ajude, assim, a fintar o fim.




Aristophanes, in his speech at the Banquet, presents us with a unique vision of love: at the moment when human beings first existed they had a single body, with four legs, four arms and two faces. These beings were fundamentally safe and invincible, to the point of defying the gods and trying to ascend to the heavens. Zeus, worried and uncompromising, retaliated the audacity by throwing a bolt of lightning that divided them in two halves: on each side were new beings with two legs, two arms, one face and one gender. Since that day, on land, the two halves have been constantly searching for each other.

The aim of Amor Fati ist o seek out these halves that, today, have converged again, as though they were chemical elements attracted in the same direction. The present is a moment of destiny in which the parts merge without allowing themselves to be unduly influenced by common sense: they are creatures of intuition. They do not long to be in any other place, have no desire for a different future or past. They wish to ascend, together - and again – to meet Zeus. But anyone who thinks that Aristophanes' gaze only summoned up the desire of a (re)encounter between bodies is destined for disappointemt. Perhaps he spoke to us, above all, of the absence as a vital condition and the path that we need to travel alone. Disparity as the constant basis of encounters.

For two years I searched, in Portugal from north to south, for stories of unshakable love that were expressed, at first glance, in the similarity of physiognomies. I met with hundreds of peers and groups who were right at that moment living stories of rare bonding. I filmed without being sure what the narrative line might unite all these stories and only later, when editing, I placed them side by side, hoping that the rhymes and delicacies of chance would emerge. The lives of some echoed into the lives of others. And the achievements of some filled the empty spaces of others. The film was born from this process of searching, and in the search for a missing part.

I tried to build a choral side of life, in which the singular gives way to the plural and the micro to the macro. This film is an atlas of stories and emotions that express my feeling for humanity which tends to become magnifed in the face of our vulnerability, in the face of death. Creating images is my attempt to overcome the ephemerality of events by incorporating something bigger and more beautiful. That is life, unintelligible. With my films, I try to make it intelligible. Perhaps cinema helps us feint the end.