O que eu tento traduzir-vos é mais misterioso,
incrusta-se nas próprias raízes do Ser,
na fonte impalpável das sensações.
J. Gasquet, Cézanne
incrusta-se nas próprias raízes do Ser,
na fonte impalpável das sensações.
J. Gasquet, Cézanne
Nasci numa cidade pequena, com os horizontes contidos pelo granito das casas e pela natureza agreste que nos rodeava. Cresci num colégio católico, com salas e corredores interditos, como se certos caminhos só a Deus pertencessem. A imaginação sempre foi a minha mais recorrente ocupação. A família, quando se juntava, nos natais ou nas férias, atropelava-se nas conversas e nas acções. Os movimentos e os sons eram de tal forma sobrepostos, que se distorciam dentro de mim. As histórias dos adultos entravam pelo imaginário das crianças a dentro, e eu fui crescendo sem saber ao certo o que era verdade e o que era mentira, o que tinha escutado ou visto, o que tinha sonhado ou vivido. E, talvez por isso, o cinema me tenha acontecido como continuidade dessa estimulação permanente, daquilo que é visível e invisível. De certo modo, as minhas mais remotas memórias e experiências formaram aquilo que hoje reconheço como percepção e olhar interior.
Quando comecei a estudar cinema, reencontrei essa mesma atenção às revelações do quotidiano em filmes como os do Ozu, do Bergman ou do Kiarostami. E foi com particular espanto - e sentido de consciência - que percebi que a vida, tão banal e singular, é a maior fonte criativa. São as descobertas mais simples que operam as maiores transformações no nosso olhar e forma de caminhar. Foi nessa altura que entendi que a origem do saber está no simples facto de podermos ver. Aquilo que vemos está, à partida, ao nosso alcance. Como o olhar de uma criança que não estabelece limites. Com uma urgência mais urgente do que a própria urgência. E foi durante a digestão deste encadear de reflexões, que tinham a força marcante dos primeiros pensamentos, aplicados a um ofício que se quer seguir, que uma amiga me disse: tens de ver os filmes da Lucrecia Martel. Estávamos em 2005, e eu ainda não tinha realizado nenhum filme.
Tenho ainda hoje muito presente aquilo que senti – muito mais do que pensei – quando vi, pela primeira vez, La Ciénaga. O filme não se assemelhava a nada do que eu vira antes. E, simultaneamente, ecoava em tudo o que de mais íntimo eu conhecia. La Ciénaga virou do avesso o sentido formal e narrativo que até então eu estudara, para me ensinar que quem modela o cinema – e a arte em geral - é a vida, e não a simples conceptualização do autor. La Ciénaga levou-me para um tempo sem tempo, em que a harmonia residia num aparente caos e ameaça de desintegração. O perigo adivinhava-se mas nunca se via, não se concretizava visualmente, à semelhança dos nossos maiores temores, que só se movem no nosso interior. Ao mesmo tempo, La Ciénaga era uma ode ao prazer, que transformava universos onírico em carnais. Era um acontecimento para mim poder ver corpos de actores em confronto real com o peso da gravidade, da chuva, do calor, das dores, do desejo e do erotismo. Luz, sombras, reflexos e cores são, em La Cienaga, objectos exploratórios da vida.
Hoje, ao pensar em La Ciénaga, recordo-me de um testemunho de Klee sobre a sua pintura: numa floresta, senti várias vezes que não era eu que olhava a floresta. Senti, em certos dias, que eram as árvores que me olhavam e que me falavam. Eu apenas estava lá, à escuta. Eu diria que também Lucrecia, nesta sua primeira longa-metragem – e em todas as suas curtas e longas -, é trespassada pelo seu próprio universo, e não o contrário. Ela é um veículo que transporta tudo aquilo que a sua curiosidade colectou. E talvez por isso não se deva falar da sua inspiração singular enquanto realizadora, mas devemos antes enaltecer a sua expiração: a capacidade de devolver o seu mundo, sem nunca o querer domar. La Ciénaga não tenta assemelhar-se a nada. E muito mais do que a necessidade de criar laços narrativos, o filme excita o nosso pensamento através de um mundo de sensações, visuais e sonoras. É, para mim, a força do espanto.
Foi no Brasil, durante um período em que estive em São Paulo a estudar cinema, que vi pela segunda e terceira vez La Cienaga. O estreitamento entre a Argentina e o Brasil permitiu-me ter acesso ao vasto cinema da américa latina (na altura com muito pouca repercussão na Europa). Procurei a sua segunda longa-metragem, La niña santa, e tive a sorte de apanhar um ciclo de cinema argentino, com entrada franca para estudantes, no CineSesc da Augusta, junto da Avenida Paulista. Eu poderia ser Amália, personagem central do filme, tão ávida de descobrir, de ver, de tocar e de sentir, através do corpo, do sexo, do pecado condenado pelas orações, encantada com os mistérios, como as formas efémeras cheias de cores que guardam os nossos olhos depois de os pressionarmos durante alguns segundos. La niña santa é uma criança que vê e que pensa: eu posso. Não no sentido de apropriação, mas antes de alguém que se abeira, e que não tendo tamanho estica-se na ponta dos pés, e acede ao mundo. É um filme sobre a fragilidade e a força do desejo – ou dos milagres. E, novamente, sobre o visível no invisível. E vice-versa.
Quando vemos um filme sozinhos – talvez a forma mais completa de nos deixarmos invadir –, não temos de justificar a experiência quando as luzes se acendem. E falo disto porque, por casualidade, vi sempre os filmes da Lucrecia sozinha. E talvez isso me tenha permitido não ter que encontrar um sentido para cada movimento ou cena. Não será a procura permanente de um sentido final a base do catolicismo, que tanto atormenta o mundo de Amália e de toda a nossa existência? Assim lhe dizia a sua catequista: Nas nossas vidas, há chamadas misteriosas, mais ou menos claras, mais ou menos urgentes, que vêm directamente de Deus e que mostram a cada pessoa o seu papel na comunidade. Tenho para mim, que o prazer do olhar da Lucrecia se prende, antes de tudo, nas pequenas sementes que vão sendo lançadas ao longo dos seus filmes e que só dão flor, muito provavelmente, na continuidade da nossa experiência, fora da sala de cinema, no decorrer da nossa vida.
La niña santa e La Ciénaga são filmes, extremamente sensoriais, que estão ancorados à capacidade de olhar – e de saber ver – durante a nossa infância e juventude. Durante esse período a realidade é um mundo muito mais vasto, que abrange o sonho, os pensamentos e os desejos. Acredita-se naquilo que não se vê e no que se ouve dizer. Assim como em La niña santa se acredita num theremin, porque se escuta o som que reproduz, esse instrumento raro que não tem cordas e é tocado no invisível. As crianças são atormentadas pelos medos dos adultos: se não olhares, se não te mexeres, nada acontecerá, ou então poderás asfixiar, até morrer. O medo e a mentira são tormentas adquiridas. São heranças. E isso é muito claro nos filmes de Lucrecia, onde a luz e o som atravessam os espaços e as personagens, entram nos nossos olhos e ouvidos, vão de encontro ao nosso cérebro, e torna-se visível e audível aquilo que estava velado. Como um cego que vê através do toque. Os seus filmes unem os nossos olhos ao horizonte e a tudo o que, aparentemente, está escondido. O sentido, ou a natureza, se assim preferirmos, está nos gestos, nos movimentos, nos sons e nas palavras. Lucrecia não procura o exterior. Mas sim o interior.
Sem estabelecer paralelismos, hoje, também eu vivo exclusivamente dessa procura e, às vezes, desse encontro. Descobri, seguramente na infância, que quando se olha com muita atenção para uma coisa, essa coisa fala connosco. Não há nada no mundo que não seja um retorno. A sabedoria reside no acto de olhar. E ousar esperar, mesmo não sabendo porquê. Reconheci, desde o primeiro contacto com o cinema da Lucrecia, que os filmes são uma interrogação interminável, que recomeça em cada obra. O cinema – e a vida – é um jogo que não devemos levar demasiado a sério, porque nada nos garante que não passa de um delírio. Ou como diria Agustina Bessa-Luís, aquele que se leva a sério está sempre numa situação de inferioridade perante a vida. Assim o entendemos em La mujer sin cabeza, com Veronica, que duvida da sua memória depois de um acidente de carro. A sua percepção vacila. Vero sente-se fragilizada e desamparada com a falta de certezas. Ela, e nós, que aprendemos que o cinema conta uma história com uma revelação final e que toda a vida se constrói em torno de certezas. Mas La mujer sin cabeza é uma teia permanente de perguntas. E é impossível ver este filme sem nos rirmos de nós próprios, dos nossos medos e fragilidades. Diria mesmo que é preciso lucidez para se saber entrar na loucura sem se perder o caminho de regresso. La mujer sin cabeza, é um filme muito corajoso, sensível e cheio de sentido de humor. Um filme com tudo para resistir ao tempo.
Lucrecia é uma compiladora do mundo, com olhos e ouvidos transformadores. O seu cinema é um dom merecido pelo seu exercício de ver, que não vem da sua solidão, mas da relação que estabelece com tudo o que a rodeia. A sensorialidade dos seus filmes faz com que as coisas não se pareçam com as coisas conforme estamos habituados a conhecê-las. São outras coisas. Nascem dentro de nós. São um convite a participarmos, activamente, na construção do seu cinema - e do mundo. Não ter a sensibilidade para percepcionar as diferentes camadas que uma história nos traz, é o resultado de uma educação com forte tradição no retorno imediato. Porque ao contrário do que se possa pensar, aquilo que é espectável e verosímil, oculta o sentido das coisas. São as distorções que nos permitem ver. É uma ciência silenciosa. Os sinais estão sempre presentes, mas é preciso saber ver e escutar.
Se há pessoa que sabe imitar a vida, é Lucrecia Martel. Com todos os seus lugares desconhecidos, perigos, desejos e prazeres. E para isso, é preciso viver mais assente na curiosidade do que no medo. Com a inteligência em estado puro, dominada pelo interesse, pelas vitórias e pelos destroços. É um olhar que sabe que o que está no escuro gera angústia mas é também onde residem os tesouros, como dizia Mayumi Mitsuhashi no meu filme Ama-San: Sem monstros, não há aventuras. Assim se movem as personagens dos filmes de Lucrecia. Como Diego Zama, que encerra o filme já exangue, com o corpo quebrado e sem mãos, dentro de num barco que desliza suavemente sobre o rio, até o perdermos de vista. Queres viver? Queres viver? Pergunta-lhe a criança. Esta é, muito seguramente, das imagens mais poéticas que vi representadas no cinema.
Há um peixe que passa a vida num vai e vem, lutando para que a água não o lance para fora. Porque a água o rejeita. A água não o quer. Esses peixes sofridos, tão apegados ao ambiente que os repele, usam todas as suas forças para conquistar a permanência. Nunca os encontrará na parte central do rio, apenas nas margens. – Este é dos primeiros diálogos de Zama, um filme belo e cru, sobre a espera e o poder. Mas poderia também ser uma alegoria à resiliência tão vital para um cineasta. Diego Zama é um corpo que deambula à espera de ser levado para Buenos Aires. Assim como o realizador se vê estagnado, ciclicamente, enquanto espera pelos financiamentos dos seus filmes. Diego Zama é um anti-herói. E os realizadores também o são. Só o fracasso salvará Diego Zama do pântano que é a sua longa espera. Zama é a esperança traída mas é também o triunfo interno, levado pela corrente do rio.
Ao contrário dos seus anteriores filmes, em Zama, os medos deixam de ser ameaças. Concretizam-se os nossos maiores temores. E não há força que combata o indesejado, no filme - e na vida, de todos nós. A morte tem exigências, escutamos a certa altura, como um fantasma. Lucrecia, enquanto mulher, enquanto realizadora, enquanto filha de uma américa-latina em crise, de um mundo contemporâneo adoecido, é também ela, Diego Zama, vendo-se obrigada a resistir à falha, à dor, à febre, e a virar do avesso as adversidades do mundo para regressar ao seu pântano de menina santa, com olhos curiosos, sem rumo, sem ser ameaçada por nenhum perigo que não o do prazer físico da liberdade.
Zama é dos filmes mais bem orquestrados e humanistas que vi. Lucrecia viaja no tempo sem nunca sair do seu lugar. E para isso é preciso possuir-se um raro entendimento do ser humano. Ela nasce nas suas obras, e não são as obras que nascem dela. O espírito do mundo sai-lhe pelos olhos. Lucrecia volta a emprestar o corpo ao mundo – desta vez radicalmente - e transforma-o em cinema. Em Zama, voltamos a encontrar-nos com uma coreografia de corpos e animais, de crianças e adultos, de oprimidos e opressores, de torrentes de água e de naturezas asfixiantes, onde a beleza é o lugar onde repousam os segredos, como atrás dos habituais longos e brilhantes cabelos, que sussurram desejos e histórias perdidas. E nunca fez tanto sentido dizer que sabemos que o cinema é mentira mas aquilo que aqui vemos - e sentimos - é real.
Zama é uma verdadeiro gesto de amor pelo cinema – e pela vida. Honra lhe seja feita.
Iniciei este texto a descrever a minha infância porque os meus olhos só são capazes de ver aquilo que aprenderam a ver. E as aprendizagens vêm de longe, do tempo em que as raízes são regadas nos primeiros raios de sol. Aquilo que eu reconheço nos filmes da Lucrecia vem, de certo, de um lugar de empatia de mundos que se tocam, apesar da distância de continentes. A humanidade - e a teia de características que a definem, como as emoções e a própria história, - é um território partilhado. Fazemos todos parte de um movimento muito antigo e que se enreda ciclicamente. E aqui chegada, convido Merleau-Ponty a encerrar: quanto à história das obras, em todo o caso, se são grandes, o sentido que se lhes dá posteriormente provém dela. As reinterpretações intermináveis, de que é legitimamente susceptível, não a transformam senão nela mesma.
“What I am trying to convey to you is more mysterious,
it is entwined in the very roots of being,
in the impalpable source of sensations”
J. Gasquet, Cézanne
it is entwined in the very roots of being,
in the impalpable source of sensations”
J. Gasquet, Cézanne
I was born in a small town, its horizons enclosed by the houses’ granite walls and by the wild nature that surrounded us. I grew up in a Catholic school, full of forbidden halls and rooms, as if certain paths to God alone belonged. Imagination has always been my most recurrent occupation. Our family, whenever we were together, either at Christmas or vacations, was overwhelming in conversations and gestures. The movements and the sounds had so many layers, that they became distorted within me. Adults’ stories barged in children’s imagination, as I grew up without knowing for sure what was true and what was a lie, what I had seen or heard, what I had dreamt or lived. And perhaps for this reason, cinema has happened to me as a continuation of this permanent stimulation, of what is visible and invisible. In a way, my earliest memories and experiences formed what I now recognize as inner perception and gaze.
When I started to study film, I found this same attention to everyday revelations in films like Ozu’s, Bergman’s or Kiarostami’s. And it was with great astonishment - and a sense of consciousness - that I realized that life, so banal and singular, is the greatest creative source. The simplest discoveries are the ones that operate the greatest transformations in our gaze and in the way we choose to continue. It was then that I understood that the origin of knowledge is in the simple fact that we can see. What we see is, normally, within our reach. Like the gaze of a child who does not set limits. With an urgency more urgent than the urgency itself. And it was during the processing of this chain of reflections, which had the striking power of the first thoughts, applied to a craft that one desires to follow, that a friend told me: you must see Lucrecia Martel's films. We were in 2005, and I had not directed any films yet.
I still recall today what I felt - much more than I thought I would - when I first saw La Ciénaga. The film did not resemble anything I had seen before. And, at the same time, it echoed in everything I knew most intimately. La Ciénaga changed the formal sense and narrative that I had studied up until then, to teach me that what shapes cinema - and art in general - is life, not the simple conceptualization of the author. La Ciénaga carried me to a time without time, in which its harmony resided in an apparent chaos and threat of disintegration. Danger was foretold but never seen, not delivered visually, like our greatest fears, which only move within us. At the same time, La Ciénaga was an ode to pleasure, which transformed dream-like universes into carnal ones. It was a milestone for me to see the bodies of the actors confronting the weight of gravity, rain, heat, pain, desire and eroticism. Light, shadows, reflections and colors are, in La Ciénaga, exploratory objects of life.
Today, when I think of La Ciénaga, I remember Klee talking about his painting: in a forest, several times I felt that it was not me who was looking at the forest. I felt, on certain days, that it was the trees that looked at me and spoke to me. I was just there, listening. I would say that Lucrecia, in her first feature film - and in all of her shorts and features -, is also pierced by her own universe, not the other way around. She is a vehicle carrying everything her curiosity has collected. And perhaps this is why we should not speak of her singular inspiration as a director, but rather praise her exhalation: the capacity to return her world without ever wanting to tame it. La Ciénaga does not try to resemble anything. And much more than the need to create narrative ties, the film excites our thoughts through a world of sensations, visual and sound. It is, to me, the power of wonder.
It was in Brazil, during a period when I was in São Paulo studying film, that I saw for the second and third time La Ciénaga. The proximity between Argentina and Brazil allowed me to have access to the vast cinema of Latin America (at the time with very little repercussion in Europe). I looked for her second feature, The Holy Girl, and I was fortunate enough to catch an Argentinian cinema programme, with free entrance for students, at Augusta’s CineSesc, near Avenida Paulista. I could be Amalia, the central character of the film, so eager to discover, to see, to touch and to feel, through body, sex, through the sin condemned by prayers, delighted by the mysteries, just like the ephemeral forms full of colours that remain in our eyes after we pressed them for a few seconds. The Holy Girl is a child who sees and thinks: I can. Not in the sense of appropriation, but in the sense of being drawn, and, still rather small, stretching herself on the tip of her toes, and accessing the world. It is a film about the frailty and force of desire - or miracles. And again, on the visible in the invisible. And vice versa.
When we watch a film on our own - perhaps the most complete way to let ourselves be invaded - we do not have to justify the experience when the lights come on. And I mention this because, by coincidence, I have always watched Lucrecia's films alone. And maybe that has allowed me not to have to find meaning for every movement or scene. Is it not the permanent search for a final meaning, the basis of Catholicism, which torments Amalia’s world and our whole existence? This is what her catechist tells her: in our lives there are mysterious calls, more or less clear, more or less urgent, coming directly from God and showing each person her role in the community. I believe that the pleasure of Lucrecia's gaze is related, to begin with, to the small seeds sowed throughout her films, which probably blossom in the continuity of our experience, outside the theatre, in the course of our lives.
The Holy Girl and La Ciénaga are extremely sensorial films, anchored to the ability to look - and knowing how to see - during our childhood and youth. During this period, reality is a much wider world, encompassing the dream, thoughts and desires. We believe in what we don’t see and in what others say. Just as in The Holy Girl we believe in a theremin because we hear the sound that it makes, this rare instrument that has no strings and is touched in the invisible. Children are tormented by adults’ own fears: if you do not look, if you do not move, nothing will happen, or else you will suffocate, until you die. Fear and lies are acquired torments. They are inherited. And this is very clear in Lucrecia's films, where light and sound cross the spaces and characters, enter our eyes and ears, into our brain, and what is veiled becomes visible and audible. Like a blind man, who sees by touching. Her films unite our eyes to the horizon and to everything that, apparently, is hidden. Meaning, or nature, if we prefer, is in gestures, movements, sounds, and words. Lucrecia does not seek the exterior but the interior.
I don’t mean it as a comparison but, presently, I also live exclusively from this search and, sometimes, from this encounter. I have discovered, certainly during my childhood, that when you look closely at something, it speaks to you. There is nothing in the world that doesn’t reciprocate. Wisdom lies in the act of looking. And daring to wait, even though not knowing why. I realised, since my first contact with Lucrecia's cinema that films are endlessly questioning, recommencing in every new work. Cinema - and life - is a game that we should not take too seriously because nothing guarantees that it is not just a delusion. Or as Agustina Bessa-Luís would say, he who takes himself seriously finds himself in a position of inferiority in relation to life. This is what we see in The Headless Woman, in Veronica, who doubts her memory after a car accident. Her perception hesistates. Vero feels fragile and helpless by the lack of certainties. She and we who have learned that cinema tells a story with a final revelation and that all life is built around certainties. But The Headless Woman is an incessant web of questions. And it is impossible to see this film without laughing at ourselves, our fears and frailties. I would say that it takes lucidity to know how to walk into madness without losing your way back. The Headless Woman is very brave, sensitive and with a great sense of humour. A film that has the power to resist time.
Lucrecia compiles the world, with transforming eyes and ears. Her cinema is a gift deserved by her exercise of seeing, which does not come from isolation, but from the relationship she establishes with everything that surrounds her. The sensoriality of her films makes things look a lot different than the things we are accustomed to seeing. They become something else. They are born within us. They are an invitation to actively participate in the construction of her cinema - and the world. Not having the sensitivity to perceive the different layers that a story brings us, is the result of an education with a strong tradition built on immediate return. Because, contrary to what we might think, what is expectable and believable conceals the meaning of things. Distortions are what allow us to see. It is a silent science. The signs are always present, but you must know how to see and hear.
If there is someone who knows how to imitate life, that person is Lucrecia Martel. With all its unknown places, dangers, desires and pleasures. And for that, we must live more in curiosity than in fear. With pure intelligence, dominated by interest, victories, and havoc. It is a gaze that knows that what lies in the dark generates anguish but it is also a place where treasures reside, as Mayumi Mitsuhashi said in my film Ama-San: without monsters, there are no adventures. That's how the characters in Lucrecia's films move. Like Diego Zama, who closes the film almost lifeless, with his body broken and without hands, in a boat that slides smoothly on the river until we lose sight of him. Do you want to live? Do you want to live?, the child asks. This is, most certainly, one of the most poetic images I have seen in a film.
There is a fish that spends its life back and forth, struggling so that the water does not throw it out. Because water rejects it. The water does not want it. These suffering fish, so attached to the environment that repels them, use all their forces to gain permanence. You will never find them in centre of the river, only on the banks. These are Zama’s first lines, a beautiful and crude film, about waiting and power. But it could also be an allegory to resilience so vital to a filmmaker. Diego Zama is a body that wanders, waiting to be taken to Buenos Aires. Just as a director is stagnant, cyclically, while waiting for the financing of the films. Diego Zama is an anti-hero. Just like the filmmakers are. Only failure will save Diego Zama from the swamp that is his long wait. Zama is the betrayed hope but it is also the inner triumph, carried by the restless river.
Unlike her previous films, in Zama fears are no longer threats. Our greatest terrors materialize. And there is no force to fight the unwanted, in the film - and in life, in our lives. Death has demands, we hear at one point, like a ghost. Lucrecia, as a woman, as a filmmaker, as the daughter of a crisis-stricken Latin America, of a contemporary world that has become ill, is also Diego Zama, forced to resist failure, pain, fever, and turn the adversities of the world in her favor to return to her holy girl swamp, with curious eyes, without direction, without being threatened by any danger other than that of the physical pleasure of freedom.
Zama is one of the best orchestrated and humanistic films I have ever seen. Lucrecia travels in time without ever leaving her place. And to make this happen you have to possess a rare understanding of the human being. She is born in her works, it is not the works that are born of her. The spirit of the world comes out of her eyes. Lucrecia again lends her body to the world - this time radically - and transforms it into cinema. In Zama, again we find a choreography of bodies and animals, children and adults, oppressed and oppressors, torrents of water and asphyxiating natures, where beauty is the place where secrets lie, just like behind long and shiny hair that whispers desires and lost stories. And it never made so much sense to say that we know that cinema is a lie but what we see - and feel - is real.
Zama is a true gesture of love for cinema - and for life. We must praise this.
I began this text describing my childhood because my eyes are only able to see what they have learned to see. And learning comes from a distance, from the time when the roots are watered in the first rays of the sun. What I recognize in Lucrecia's films is, of course, a place of empathy for worlds that touch each other, despite the distance between continents. Humanity - and the web of characteristics that define it, like emotions and history itself - is a shared territory. We are all part of a very old movement, which is cyclically intertwined.
And here we are, so I invite Merleau-Ponty to end: it is the work itself that has opened the field from which it appears in another light. It changes itself and becomes what follows; the interminable reinterpretations to which it is legitimately susceptible change it only in itself.
Cláudia Varejão, Lisbon, April 2018